11 de jul. de 2012

O dia em que Senna virou piloto de rali



Além de três títulos mundiais, 65 pole positions, 80 pódios e 161 grand-prix disputados, Ayrton Senna deixou uma enorme quantidade de valoroso material em vídeo, provas móveis e irrefutáveis de sua genialidade.
Pouco a pouco, novos registros em vídeo de seu talento atrás dos volantes vão surgindo. Filmes como o de Senna pilotando uma Mercedes 190E com maestria numa Nurbürgring encharcada em 1984, ou as voltas que o piloto deu – à convite de Emerson Fittipaldi – em seu monoposto da Fórmula Indy na Firebird Raceway em 1992. Quem pode se esquecer, ainda, dos vídeos em que Senna demonstra sua destreza dominando a direção de um Honda Civic (e depois de um CR-X) em Suzuka correndo contra Satoru Nakajima como se fosse um domingo de Grande Prêmio? Ou ainda a película em que um entediado Senna chega de alpargatas e meia esporte para testar o mítico Honda NSX-R no limite da aderência no mesmo autódromo japonês em que venceu o bicampeonato em 1990?
O que poucos sabem é que as experiências automobilísticas do homem não param por aí. Em 1986, em seu segundo ano com a Lotus, Senna foi convidado por um jornalista de nome Russell Bulgin – que à época trabalhava na revista Cars and Car Conversions, e mais tarde contribuiria para revistas como Evo e Car Magazine –  para dar um pulinho até o País de Gales. O piloto, à época, morava no país vizinho, a Inglaterra, e, embora não fosse muito de ficar falando com a mídia, considerava Bulgin um de seus poucos amigos próximos no país bretão.
A revista em que Bulgin trabalhava dedicava-se a dar aos leitores dicas simples de como aumentar a potência de seus automóveis e torná-los aptos a serem utilizados em provas de automobilismo amador. No entanto, o grande diferencial da publicação era fazer uma cobertura completa e apurada sobre provas de rali.
E foi aí que Senna entrou na história. Bulgin conseguiu dissuadir o piloto brasileiro a embrenhar-se em meio a trilhas poeirentas dentro das florestas galesas para testar cinco carros de rali: um MG Metro 6R4, um Cosworth RS Sierra, um Ford Escort, um Vauhxall Nova e um VW Golf GTI. Logicamente, o evento serviria como base para uma reportagem de oito páginas para a revista.

Antes do evento, em um comportamento típico do piloto, ditou a forma como achou que deveria proceder. “Eu não sei nada sobre rali, e fiz questão de não escutar o que os outros tinham a dizer sobre a modalidade, antes de vir para cá. Eu queria chegar e descobrir como se faz”. E, seguindo sua estratégia, começou os testes pelo Cosworth. Logo na primeira curva, o carro subesterçou e ele quase chocou-se contra as árvores. Lição aprendida: “Eu quase saí da pista naquela primeira curva, o que foi…uma surpresa. Porque eu fiz ela como se estivesse dirigindo um carro normal”, explicou o piloto. “Foi um ato estúpido da minha parte, porque é preciso empurrar a direção. Antes da curva você tem que se decidir. Agora eu entendo a importância de se realizar a manobra em gancho”.
Como sempre, Senna absorveu aquela primeira experiência e as ideias que sua primeira volta geraram. E aí, atacou da maneira certa em sua segunda volta. “Estou aprendendo. É mais difícil do que eu pensava, guiar um carro de rali do jeito certo. É preciso ter bastante conhecimento das técnicas de pilotagem – e muita confiança”, disse. “Só me faz ter mais admiração pelos pilotos de rali, que conseguem domar com maestria esses carros, sobre este tipo de pista. Eles dirigem em florestas e o fazem do jeito certo de primeira”.
À medida que foi testando os outros carros, Senna foi pegando a manha e, no final do dia, já estava mais confortável à bordo dos veículos. Após uma longa jornada de experiências automobilísticas, ele resumiu assim o dia: “Hoje foi um dia muito mais divertido e empolgante do que eu imaginava. Eu nem senti as horas passarem. Era tudo tão novo para mim, cheguei aqui com um grande ponto de interrogação na mente. Para mim a cada volta ficava mais excitante. Mas eu tenho certeza de que 99% das pessoas que estavam ali testemunhando eu pilotar aqueles carros pela primeira vez achavam que eu ia jogar o carro contra as árvores…”
Não foi bem assim que aconteceu, e Senna conquistou o respeito e a admiração dos pilotos profissionais de rali que emprestaram seus carros para a história.
Hoje em dia o artigo original é peça de colecionador. Material escrito sobre Senna – e, melhor, com as próprias palavras do piloto – viram jóias raras com a mesma velocidade que o piloto dobrava curvas. Nem no eBay é possível encontrar um exemplar original da edição de novembro de 1986 de Cars and Car Conversions, com a reportagem de oito páginas sobre a experiência de Senna como piloto de rali.
De volta à Inglaterra, à noite, antes de se separarem, Bulgin perguntou a Senna se ele gostaria de repetir a experiência qualquer dia.
“Não, não. Foi só por hoje.  Só para brincar – e é isso aí”.

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