Remendo de carro usado

O mercado de carros usados é algo que me intriga bastante, recentemente tive que passar pela terrível experiência de procurar algo bom na sessão de classificados, não fui bem sucedido em nenhuma parte da minha jornada e o fim dela foi inesperado, acabei ficando com um carro da família.

De certa forma me senti aliviado, pois não consigo ficar tranquilo botando algo desconhecido dentro de casa, é cada carro  com características suspeitas que dá até medo de perguntar ao dono ou ao vendedor que tipo de aventura aquele exemplar de sobrevivência passou. São tantos barulhos e cheiros que fazem a mansão da Família Adams parecer um hotel 6 estrelas em Abu Dhabi, sério, abrir portas requer a coragem (e as vezes a força) de um espartano.

Quem realmente precisou vasculhar por algo no mercado de usados brasileiro sabe o que estou falando, aquele momento no qual o dinheiro não é muito pra pegar um carro médio relativamente novo mas ainda sim tem condições de escolher algo não tão 0km mas nem tão 200.000km. É um campo minado, você vai com cuidado pelos anúncios tentando ao máximo fugir as bombas e quando descobre um pedaço de território que parece inocente, vai com calma procurando supostas armadilhas.

Encontrou algo com 75 mil km rodados e nenhuma revisão? Fuja ou gastará metade do valor do carro somente em futuras manutenções. SuMiuram com manual de usuário e há sinais de restauração no volante e bancos, mas mesmo assim indica 60 mil km? Fuja também, o antigo dono deve ter dado umas duas voltas para trás no hodômetro. E o vendedor dando quase 25% de desconto abaixo do preço de tabela com o carro em perfeitas condições por fora? Fuja? Talvez, leve a um mecânico pois deve estar faltando um pistão. Claro que estou exagerando um pouco, mas muitos casos me fizeram rir durante o caminho de volta pra casa após horas e horas de pesquisa.

Não estou aqui para dar dicas de como comprar carro usado ou nada do tipo, há inúmeros locais onde você leitor pode se informar com conselhos melhores que os meus, por incrível que pareça há profissionais especializados em procurar o passado obscuro de cada alma automobilística que circula por nossas vias. Esse texto serve mais como um desabafo, pois está mais do que evidente os maus tratos que o brasileiro atualmente está tendo com seu carro.

Eu sei que muitos Brasil a fora cuidam de seus veículos como se fossem um filho, as vezes até melhor, é troca de óleo na hora certa, manutenção em dia e cuidado extremo até na hora de lavar e secar após pegar uma leve brisa de inverno. As vezes isso acontece por zelo a algo que custou dinheiro, no nosso caso, muito dinheiro, embora nesse ponto haja um problema que tratarei logo após, mas também há casos que a pessoa faz isso por pura paixão automotiva, sentimento esse que fica evidente quando achamos especificamente aquele carro que o dono fica até com cara deprimida quando o visitamos para uma possível compra.

Tais experiências me fazem levantar algumas questões que até levei em consideração em um video do ADG, que inclusive causou certa polêmica nos comentários – acredito que a maioria leitora aqui do Notícias Automotivas conheça esse cara que é um dos melhores mecânicos que já vi nesse país, sem nenhum tipo de “puxa-saquismo”. Seria o brasileiro mais apaixonado por carro do que o cidadão estado-unidense?

Faço essa pergunta pois me considero um “rato de classificados”, sempre que posso estou olhando os anúncios de usados não só aqui no Brasil, mas em diferentes mercados como Inglaterra ou o próprio Estados Unidos, e o que eu vejo é um total descaso com a maioria dos anúncios aqui em nosso país comparado aos de lá. No exterior, os carros geralmente são mais rodados, mas ainda sim modelos da década de 90 estão bem mais conservados que muitos veículos nossos de 2005 pra cá, não somente externamente como também o zelo que o dono teve em carimbar todas as manutenções é algo muito mais frequente lá do que aqui.

Claro que existem exceções, o próprio ADG mostrou isso em videos recentes de sua viagem aos EUA, mas assim como as exceções de descuido acontecem lá, as exceções de cuidado também acontecem aqui. Para explicar isto de forma bem resumida, a quantidade de carros ruins lá fora é igual a quantidade de carros bons aqui, somente uma minoria.

Os motivos disso acredito que são diversos, talvez até pela própria cultura das pessoas de zelo ao que é delas seja algo mais praticado nos EUA e Inglaterra do que aqui no Brasil, alguns dizem que o valor de mercado do carro usado influencia nisso também, o que não acho muito convincente pois dependendo da ótica que se usa para analisar tais casos, muda-se completamente a conclusão que chegamos. Aqui no Brasil não importa muito a qualidade do seu carro, o dono da garagem vai pagar uma mixaria por ele e vender a um preço muito mais alto após dar uma maquiada.

Ou seja, por um lado da história, que incentivo temos para cuidar do carro se isso não se recompensará no futuro? Pra reforçar, também “temos” aquele péssimo hábito de dizer “Esse carro é resistente, não precisa de manutenção”, cansei de escutar isso da boca de muita gente que se diz entendida de carro, mas sinceramente? Até trator de colheita faz manutenção periódica, e eu garanto que ele é mais resistente que qualquer carro vendido atualmente no Brasil.

A grande questão é: por que não se cuida do carro como deveria? Dificuldade financeira? Tudo bem, acontece com todo mundo, mas certos cuidados no próprio uso da máquina não justifica qualquer problema que a pessoa tenha em sustentar o carro. São algumas perspectivas que ainda nos diferenciam de sociedades mais “modernas”, permitam-me usar este termo, mas infelizmente essa é a maioria que prejudica a nós, a minoria que é apaixonada por carro que quando precisa ir aos classificados atualizar a garagem, só encontra remendo de remendos.