4 de set. de 2012

O Guia de supercarros usados – parte I: uma Ferrari por até R$ 500.000

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Para entrar no seleto clube de proprietários de Ferrari você não precisa desembolsar milhões de reais, como a tabela de preços de carros novos aponta. As opções mais baratas não custam muito mais que um Camaro zero-quilômetro, e com a metade do valor de uma Ferrari nova é possível preencher sua garagem com um dos melhores modelos da história da marca.


Isso porque nós brasileiros tivemos a “sorte” de ter as importações abertas novamente somente depois do início da atual era da Ferrari, já na década de 90, com carros “amigáveis” e bem mais confiáveis que os cavalos selvagens do período em que o próprio Enzo Ferrari ditava as regras.
Mas, ao contrário do que muitos podem imaginar, supercarros também têm problemas mecânicos e elétricos – na verdade, muito mais problemas que um simples carro de rua. São máquinas construídas para andar no limite, limites bem altos que nenhum outro tipo de carro consegue atingir, ainda que listas de desempenho tentem te convecer do contrário. Isso significa que todo o conjunto mecânico é literalmente usado e abusado – especialmente sendo um carro de segunda mão. Por mais avançadas que sejam as tecnologias empregadas nas partes móveis e nos componentes de desgaste natural, eles estão sujeitos a todos os tipos de problemas, de um simples botão desgastado a outros irreversíveis ou caros o bastante para transformar seu sonho em um pesadelo. Só por que uma Ferrari custa centenas de milhares de reais, não significa que você não corre o risco de comprar uma granada prestes a explodir na sua mão.
Outra questão, também, é o valor. Não o valor nominal, em espécie corrente, mas sim a valorização no mercado, a imagem do carro. Nem tudo o que é mais caro é melhor, mais elegante, mais luxuoso ou mais chique. Não é raro encontrar objetos nominalmente caros que são mal vistos, pouco valorizados ou até mesmo rejeitados pelos connoisseurs – os caras que manjam de verdade sobre o assunto.
Além disso, quando Luca di Montezemolo transformou as Ferraris em carros confiáveis e sofisticados como nunca foram – elas se tornaram até mesmo fáceis de guiar – vejam só – a marca passou a atrair novos clientes que buscam apenas o status dos esportivos vermelhos de Maranello, pouco se importando com o valor intrínseco dessas máquinas (medido ao se guiar e não ao se desfilar a 15 km/h em portas de boates). O lado bom disso é que o mercado de usados acabou repleto de verdadeiras preciosidades deixadas de lado por ricos que querem apenas o modelo do ano para exibir por aí.
A seguir vamos desvendar estes modelos e ajudá-lo a entender o que é valorizado e o que não é, e os cuidados que você deve ter ao  avaliar um destes usados.

Ferrari F355 1995-1999

Quanto custa? De R$ 250.000 (Berlinetta manual 1995) a R$ 350.000 (Spider F1 1999).


É o modelo mais popular e acessível das Ferraris importadas oficialmente para o Brasil (vamos deixar as importações de clássicos para um outro post). Lançada em 1995, foi oferecida em inicialmente em duas versões: Berlinetta e GTS. Logo em seguida veio a conversível Spider, e em 1998 a Ferrari passou a oferecer as três versões com o câmbio automatizado F1. Em relação à 348 GTB – modelo da qual deriva –  a F355 tem um comportamento dinâmico mais refinado, a ponto de ser considerada o melhor esportivo do mundo em sua época (melhor até que as suas primas mais caras), e seu motor ganhou um novo cabeçote de cinco válvulas por cilindro, além da cilindrada aumentada de 3.4 para 3.5 litros. Com 384 cv de potência e 37 kgfm de torque, acelera de zero a 100 km/h em 4,7 segundos e chega a 295 km/h. A F355 é considerada a Ferrari que deu início à atual linhagem de berlinettas V8, e tem um grande potencial para se tornar um modelo clássico.
O modelo tem dois problemas crônicos: o coletor de escape não é dos melhores e as guias de válvulas desgastam-se facilmente. Um coletor novo não é caro (para os padrões da Ferrari) e pode ser bem-vindo para um ronco mais afinado e um leve upgrade no desempenho. Já uma válvula defeituosa pode o ponto de partida de uma catástrofe mecânica capaz de arruinar para sempre seu bônus da seguradora. É fácil identificar, pois o desgaste das guias ocasiona vibração. Em um estágio mais crítico de desgaste a folga das válvulas rompe a vedação e permite a entrada de óleo no cilindro. O resultado é o famoso “motor fumando”. Você não compraria um carro “fumando”, não é mesmo?
Os primeiros modelos com o câmbio F1 (1998) também podem ter problemas no seletor de marchas e na pressão do óleo da caixa – algo não muito barato de consertar, mas que pode ser identificado com um test-drive mais atento.

Ferrari F360 Modena

Quanto custa? Entre R$ 360.000 (1999) e R$ 530.000 (2005)



A 360 Modena foi lançada em 1999 com a difícil missão de substituir a aclamada e carismática F355 e,  por isso, em vez de uma evolução, a Ferrari decidiu revolucionar e iniciar um projeto totalmente novo. A carroceria Pininfarina é feita em alumínio como o chassi, e inaugurou a tendência das formas funcionais, onde cada traço tem uma função aerodinâmica além da estética. A tradicional grade dianteira foi abandonada e os radiadores foram deslocados para o topo dos arcos de roda traseiros. Foi a primeira Ferrari V8 com garantia de três anos, uma manobra da marca para afastar o estigma de carros problemáticos que as pequenas berlinas de Maranello carregaram ao longo de muitos anos. Com isso ela consolidou a nova geração de Ferraris – uma geração de supercarros com um acerto de freios, direção, potência e comportamento dinâmico que moldaram os padrões do supercarro moderno. O motor 3.6 de 400 cv a leva aos 100 km/h em 4,5 s e, por pouco, não rompe a barreira dos 300 km/h, com velocidade máxima de 295 km/h.
Com a constante evolução do câmbio F1 são raras as 360 Modena com o câmbio manual de seis marchas – menos de 20% dos carros produzidos foram equipados com a belíssima e tradicional grelha cromada da Ferrari. Não há melhor ou pior aqui – compre o que mais gostar – mas saiba que o câmbio F1 não é adotado pela Scuderia por acaso: as trocas são absurdamente rápidas (124 milissegundos) e, por manter as duas mãos no volante o tempo todo, você tem mais controle e domínio sobre o carro.



Em geral, a 360 Modena é um carro confiável, sem grandes problemas crônicos como suas antecessoras, mas é importante ficar atento a alguns detalhes: nos primeiros modelos (anteriores a 2000) houve um recall para reparar o variador do comando de válvulas, e o câmbio F1 dessa época também requer uma atualização/reprogramação, portanto verifique se estes serviços foram executados. Além disso devido à idade do carro é possível que os coxins do motor estejam ressecados ou até mesmo rachados – as peças em si não são custam muito, mas é um serviço trabalhoso, que exige a remoção do motor, e isso vai sair bem caro. Aqui a 360 também rompe outra tradição das Ferrari: graças a um painel removível atrás dos bancos o motor pode ser reparado sem ser removido do chassi.

550 Maranello

Quanto custa? Entre R$ 310.000 (1997) e R$ 480.000 (2001)



Lançada em 1996 a 550 Maranello marcou a volta das berlinettas V12 de motor dianteiro da Ferrari depois de duas décadas com o motor flat-12 central-traseiro da Berlinetta Boxer e da Testarossa. De visual discreto, é a legítima sucessora da 365 GTB/4, a famosa Daytona, com seu capô longo e traseira curta. O V12 de 5.5 litros e 48 válvulas gera 492 cv para levar o cupê até a barreira dos 100 km/h em ridículos 4,2 s e chegar aos 320 km/h, rivalizando com superesportivos de motor central-traseiro sem abdicar do motor dianteiro (quase central) – quase que uma reedição da 365 Daytona.
A 550 Maranello é o “tesouro secreto” dos entendidos nesta faixa de preço considerada aqui no Jalopnik (até 500.000 reais) por ser considerada a melhor Ferrari de sua geração – tanto no desempenho, quanto em confiabilidade. Ela praticamente não tem defeitos crônicos, apenas problemas comuns a qualquer carro usado por dez anos, como riscos e marcas no acabamento dos botões e painéis plásticos e pequenas batidas de pedriscos na pintura. Se for a sua única chance de ter uma Ferrari na vida, este é o modelo a escolher. E ainda tem a 575M evoluída, só que essa extrapola mais no preço.

456 GT/ 456M

Quanto custa? De R$ 200.000 reais (GT 1994) a R$ 420.000 (456 M 2001)



Este foi o primeiro carro da era Montezemolo e também a Ferrari de quatro lugares para a década de 1990. Tem dois ajustes de suspensão e assistência de direção progressiva. O V12 deriva do V6 da Dino, em vez do V12 de suas antecessoras. Na 456 o motor desloca 5.5 litros para gerar 442 cv e levar o grã-turismo aos 100 km/h em 5,2 segundos e chegar aos 302 km/h. Por ser um grã-turismo, aliás, a 456 não tem o ronco selvagem de suas irmãs aqui listadas – é uma Ferrari low-profile, para caras discretos curtirem uma viagem com a esposa e suas filhas pequenas. Em 1998 a Ferrari lançou a versão 456 “Modificata”, com um novo capô de fibra de carbono, novos faróis e grade dianteira. Por dentro os bancos de couro Connolly foram modernizados, bem como o estilo do painel.
Por ser a primeira das Ferraris “confiáveis”, a 456 ainda tem alguns problemas crônicos, como vazamentos nos retentores do comando de válvulas e virabrequim. A embreagem, que é um ponto crítico em qualquer Ferrari da época, é bastante poupada nesse modelo, chegando aos 35 mil km – um problema inexistente na 456 GTA, que usa câmbio automático. Ela ainda usa correias de sincronização do comando, o que exige manutenções mais constantes e frequentes que os modelos com correntes.
Mesmo com suas qualidades, a 456 divide opiniões: há quem a considere uma das obras mais belas de Maranello (como nós, do Jalopnik); outros mais puristas ignoram sua existência, chamam-na de feia, e preferem as berlinetas V8 e V12.

O patinho feio: 348 tb

Quanto custa? Entre R$ 180.000 (1991) e R$ 240.000 (1994)


A Ferrari mais acessível no Brasil é a polêmica 348. Polêmica pois já foi criticada publicamente pelo próprio Luca di Montezemolo, que a chamou de “carro de merda” (e em seguida contou que Niki Lauda disse o mesmo) em uma conferência no Salão de Frankfurt de 2009. Outro argumento usado pelos detratores do carro é de que seu visual é sem graça, parecendo mais um Toyota MR2 com rodas grandes e um cavalinho rampante no capô. Além disso a transmissão dos primeiros modelos (raros no Brasil) é frágil e o volante do motor tem 30 peças, incluindo suas molas. Só que o desempenho é de estirpe: até os 100 km/h são contados apenas 5,2 s e a velocidade máxima fica nos 275 km/h. A F355 deu uma encorpada nos números, mas o fato é que a 348 rivalizava bem com o Porsche 911 993, embora sem a mesma confiabilidade do rival alemão.
Os alternadores trabalham sobrecarregados, e por isso a 348 só dá a partida com as baterias 100% carregadas. O motor é confiável e robusto, mas por usar apenas uma correia de sincronização para os quatro comandos, ela tende a desgastar muito rápido e não raramente acaba dessincronizada. Mas, à medida em que a 348 evoluiu, a Ferrari corrigia os problemas do carro, e por isso o modelo 1994 é o melhor deles – e o único que você deve comprar.



Há quem diga que Montezemolo criticou o carro apenas para valorizar seu trabalho na marca, que é baseado em sua filosofia de tornar os carros “user-friendly” para conquistar novos clientes, aumentar os lucros e assim impedir que a Ferrari acabasse em crises como as que enfrentaram quase todas as suas rivais históricas. E é aqui que ela conquista os fãs mais puristas da marca. Para eles a 348 não é para motoristas comuns e posers como a 355. Ela é uma máquina temperamental, feita ao gosto do comendador Enzo para homens que sabem domar um cavalo selvagem de Maranello.

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